Admiravel

 
registro: 15/02/2019
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Último jogo

Blogs x blogs


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1*G8BLsvfRt3K-E3je4Ozp4Q.gifImagine que a internet é uma aula de Educação Física dos seus tempos de colégio. Estamos naquele momento de escolher os times da queimada (no meu caso era queimada, mas substitua pelo esporte de sua preferência ou lembrança).

Todo mundo vai entrar no jogo, ninguém será excluído. Mas alguns coleguinhas serão prioridade, porque arremessam melhor a bola ou porque são artilheiros ou porque têm mais fôlego. No início, você até se anima, mas só até os líderes dos times começarem a chamar os nomes.

Você começa a ter uma sensação estranha, um desânimo, uma angústia. Os olhos de quem escolhe os jogadores deslizam sobre você, mas é como se não te vissem, ou não te achassem interessante o suficiente para te escolher agora. Vão te deixando para depois, para depois, para depois.

Até que você é a última pessoa a ser escolhida. Você, nesse exercício de imaginação que proponho aqui, é otexto.

A internet não tem sido um ambiente muito propício para o texto. O texto está lá, participa do jogo, às vezes acerta várias boladas, mas sempre fica por último na escolha do time de queimada.

Eu até gostaria de usar o famigerado discurso de “as pessoas não leem!”, mas não acredito nisso. As pessoas leem tanto, na internet ou fora dela, que leem até mesmo textos que as fazem passar raiva! Se isso não é MUITA vontade de ler, eu não sei o que é.

Atribuir a culpa da dificuldade de produzir e promover textos na internet às “pessoas que não leem” encerra o assunto fácil demais. A questão é um pouco mais complicada do que isso.

A lógica das redes sociais que habitamos hoje em dia isolaram e tiraram o poder dos links para concentrar o poder no conteúdo que circula dentro dessas mesmas redes. E as pessoas até leem (bastante), mas, na maioria das vezes, só leem o que as redes sociais mostram para elas.

Isso soa familiar? É a mesmíssima lógica da TV. Um “stream” rodando 24h por dia e tudo o que você precisa fazer é sintonizar ali e ver o que está passando, em meio a um monte de propagandas. Isso vale tanto para a Globo quanto para o Facebook; tanto para a MTV quanto para o Twitter.

Ah, a ilusão do poder que um controle remoto nos dá.

Para quem produz conteúdo visual, esse é um ótimo momento. Não por acaso, celebridades brotam do Youtube mais rápido do que você consegue clicar em “pular anúncio”. Não é como se fosse o apocalipse; muita gente está colhendo os frutos antes da próxima mudança de estação e todas estamos tentando sobreviver da melhor forma possível, nem que seja catando os restos do chão no fim da feira.

Já o texto, coitado, em um mundo parecido com a TV, parece ter pouco espaço. Ele não vai morrer. Ele não vai ser substituído. Mas vai estar láááá no final da fila, depois de camadas e camadas de entretenimento em formatos mais atraentes e mais rápidos de consumir, debaixo de quilos de propaganda e atrás de toda essa lógica autorreferente e passiva criada pelas redes sociais.

Essa dificuldade já transformou o cenário dos blogs, por exemplo. Blogsindividuais têm perdido a força e coletivos vêm surgido cada vez mais. Por que ter todo o esforço de escrever e divulgar sozinho se é possível se juntar com uma galera que também escreve e unir forças? Sobrevivência.

Alguns dos melhores sites que acompanho atualmente são fundados na ideia de várias vozes e mãos construindo o conteúdo, concentrando diversos autores escrevendo seus textos num lugar só.

Já passamos da fase do “informação é poder”; agora, informação concentrada é poder.

Talvez daqui a alguns anos a gente fale “nossa, lembra da época em que as pessoas faziam blogs sozinhas? Elas tinham que montar o próprio blog à mão, escrever todos os textos, procurar as imagens, fazer todo o layout e ainda divulgar os posts! Que doideira”.

Esse pode ser um futuro em que o texto não seja mais o que fica por último na fila da internet. Mas, até lá, o texto tem que correr bem mais do que os coleguinhas para não ser excluído do jogo.

A internet que nasceu dominada pelo hipertexto está ficando, hoje, mais hiper e menos texto. Mas talvez o texto esteja desaparecendo (ou perdendo a força) na internet para evoluir em outro lugar.

A vida, parafraseando o dr. Malcolm em Jurassic Park, ela encontra um jeito.

Porque a internet pode ter nascido precisando do texto, mas o texto vai continuar existindo independente da internet e APESAR dela. O time de queimada da internet pode ser o lugar em que ele fique por último, mas em outras quadras há espaço para o texto mostrar suas mais brilhantes jogadas. Só nos resta perguntar: onde?

Aline Valek